Shekhiná sou Eu?
SHEKINÁH
Queridos o presente artigo fora extraído do Blog do Pastor e Escritor Esdras Bentho, com ainda estou montando ao poucos minha página e este tema tem estado muito presente nos púpitos de algumas igrejas, acredito que contribuirá para sua edificação. Ao lê-lo percebi que explicita a expresa verdade do termo etimológico-linguistico quanto bíblico-teologico, assim como hermenêuta e conhecedor das línguas originais repasso esta mensagem.
Estava na comodidade de minha casa, quando, contra minhas próprias regras, deixei a televisão ligada no programa de certo pregador, empresário e pastor. Na pregação exibida no dia 14 do mês em curso, o preletor, que possui mestrado, doutorado e também é diretor de um curso teológico por correspondência, ensinava a respeito da "SHEKINÁH" ou "SHECHINAH".
No afã de dirimir controvérsias e demonstrar o seu notório saber do Antigo Testamento e da vasta cultura hebraica que possui, o pregador afirmou que a "SHEKINÁH" somos nós. Em sua grandiloqüência verbal, afirmou que, ao olhar a si mesmo no espelho, vê a "SHEKINÁH" de Deus, pois ele é a "SHEKINÁH". O pior de tudo: o pregador afirmou que foi Deus, o Senhor, quem disse isso!
Entre "glórias" e "aleluias" (sic) de uma multidão que, encandeada pelo rubro da mensagem, ignorava as razões da fé e mais se interessava pela "emoção bíblica", o prezado pregador disse à multidão que cada um deles era a "SHEKINÁH" de Deus. Mais uma vez o conhecimento de Deus, por meio do λογος θεου ou da Sagrada Escritura, era desprezado e usurpado pela pseudoconcordância, falsa aplicação e paralogismo verbal.
Vejamos em poucas palavras o sentido e conceito de "SHEKINÁH".
Sentido etimológico. "SHECHINAH", ad litteram, significa "habitação". Se ainda me lembro bem das aulas primárias de línguas bíblicas, este vocábulo procede do aramaico shekēn, isto é, "habitar", e refere-se à Habitação de Deus sobre a pessoa, a congregação de Israel, ou objeto sagrado como a arca ou o tabernáculo. A idéia é que Deus "pousava" ou "pairava" sobre algo, irradiando seu kabōd. Segundo os rabinos, a "SHEKINÁH" "pairava" ou "pousava" sobre os judeus que oravam ou citavam o Shēma. O termo não aparece nas páginas das Escrituras Hebraicas, sendo, portanto, um vocábulo tardio, próximo talvez da época do Segundo Templo.
Conceitos judaicos. Talvez seja necessário explicar um pouco mais o semema, embora esteja escrevendo sem auxílio de meu dicionário, que, infelizmente, deixei na "cidade dos príncipes" (Joinville, SC). O consensus gentium atribui um sentido distorcido a este termo, mas qual o conceito verdadeiro?
Na literatura midrashica o termo é usado para substituir o Nome divino. Preocupados com o emprego indevido do Nome Sagrado, os exegetas judeus usavam vez por outra o vocábulo "SHEKINÁH" para substituí-lo. "SHEKINÁH" referia-se à Presença ou Radiância de Deus, ou até mesmo ao próprio Senhor manifestado. De acordo com a compreensão dos exegetas e místicos do judaísmo, a "SHEKINÁH" era uma teofania muito freqüente no relacionamento entre Deus e Israel. Neste sentido, a manifestação divina a Moisés, na teofania visível e audível da sarça ardente, era a aparição da "SHEKINÁH", ou a presença da deidade pairando sobre a sarça. Afirmavam ainda os exegetas talmúdicos que a "SHEKINÁH" "abraçou" amorosamente a Moisés no monte Sinai, assim como uma galinha aos seus pintinhos.
No período mais tardio, próximo à época do Segundo Templo, a palavra "SHEKINÁH" foi usada para substituir a linguagem antropomórfica empregada para Deus. Quando alguns aspectos da filosofia neoplatônica foram inseridos na teologia judaica através dos escritores alegóricos e midrashicos, o uso de "SHEKINÁH", para referir-se à deidade, foi aliado à expressão Bat kol, isto é, "a Voz de Deus". Os dois vocábulos foram usados intercambiavelmente, e a distinção entre ambos não está clara na literatura cabalista e talmúdica. Mesmo após a destruição do Segundo Templo, 70.d.C., os judeus entendiam que a "SHEKINÁH" ainda os acompanhava.
Considerações Neotestamentárias. Nas páginas do Novo Testamento também não encontramos qualquer menção à "SHEKINÁH", conforme a concepção talmúdica. É possível que o escritor aos Hebreus (1.1-4) tenha usado απαύγασμα [apaugasma] (v.3), "efulgência", "brilho", "radiância", "esplendor" como epizeuxe desta manifestação divina no AT. Todavia, a "SHEKINÁH" fora substituída pela encarnação do Verbo: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória (δόξαν), como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1.14).
Eis aqui a verdadeira "SHEKINÁH": nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, encarnado, manifestado em carne, com toda δόξα (doksa) do Pai. Ele é, conforme Hb 1.1-4, a hypóstasis (υπόστασις), a "essência", a "substância", a própria "natureza" do Pai encarnada, ou ainda a "impressão", a "estampa", a "gravação" – o χαρακτηρ (kharakter) do Pai. Também o Filho é descrito como απαύγασμα, o esplendor do Pai. Esta última palavra, sendo neutra no grego, tem o sentido ativo de emitir brilho, a glória ou a "SHEKINÁH" que radiava Dele. As perícopes que afirmam tais verdades são tantas que nos omitimos citá-las, a fim de que não prolonguemos a querela.
Portanto, a "SHEKINÁH" de Deus, não sou eu, nem o pregador que deu ensejo a esse ensaio, ou qualquer outra pessoa, a não ser a Bendita Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Quando olho no espelho, vejo um homem que necessita da graça e misericórdia de Deus, um ser-ai, não abandonado, amado pelo Pai. O Espírito de Deus habita em nós, no entanto, não somos o Espírito; a glória de Deus habita no crente através de seu Espírito, todavia não somos a glória: "Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós" (2 Co 4.7).
Espero que este texto sirva de fundamento para possíveis discussões e esclarecimentos a respeito do assunto. O nosso propósito não foi o de esgotar o assunto, pois isso impediria a criatividade e participação dos amigos que acompanham e participam deste pequeno espaço.
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